Filme do Dia: Melancolia (2011), Lars Von Trier


Melancolia (Melancholia, Dinamarca/França/Suécia/Alemanha, 2011). Direção e Rot. Original: Lars von Trier. Fotografia: Manuel Alberto Claro. Montagem: Morton Hobjerg & Molly Marlene Stensgaard. Dir. de arte: Jette Lehman & Simone Grau. Figurinos: Manon Rasmussen. Com: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourgh, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Stellan Skarsgard, Alexander Skarsgard, Brady Corbet, Udo Kier, Cameron Spurr.
Justine. Justine (Dunst) comemora a festa de seu casamento com Michael (Alexander Skarsgard), mas em meio as comemorações ela, vivenciando uma grande instabilidade emocional, simplesmente desaparece. Ela começa a observar uma estrela diferenciada no céu, que seu marido afirma ser Antares. O que parecia ser uma noite tranquila e de festa, começa a ficar tensa com o discurso da mãe de Justine, Gaby (Rampling), contraria a tudo aquilo.  Quando fica finalmente a sós com Michael, Justine pede um tempo e se afasta, fazendo sexo com um rapaz, Tim (Corbet), que ganhou um emprego somente para descobrir um segredo do mundo da propaganda com ela. Logo fica claro que o casamento se torna uma farsa. Após uma discussão com seu patrão (Stellan Skarsgard), Justine o vê partindo. Logo após, é a vez do próprio recém-marido. Claire. Após o colapso nervoso de Justine, Claire (Gainsbourg) passa a cuidar no castelo no qual vive com o marido John (Sutherland).Em algum tempo, com a ameaça crescente de um novo planeta recém-descoberto, Melancholia, chocar-se com a terra, Justine passa a ficar mais auto-confiante e Claire mais vulnerável. John e o filho Leo (Spurr) observam as evoluções do planeta. John assegura que não há risco. No dia em que poderá ocorrer a pretensa aproximação e choque, o planeta acaba se distanciando, deixando Claire aliviada. Mas no dia seguinte o planeta acaba voltando a ficar próximo. Claire descobre o cadáver de John, que havia se suicidado. Após tentar uma fuga impossível, ela espera o fim do mundo com o filho e a irmã.
       Inicia com um prólogo de imagens de uma beleza plástica de tirar o fôlego, em câmera lenta e evocativas do seu uso por mestres do cinema mudo (O Cão Andaluz, em especial) ao som de uma hipnótica trilha sonora de Wagner,  utilizando o mesmo prelúdio de Tristão e Isolda presente na obra de Buñuel, que ressurgirá ao longo do filme e sempre sob um registro levemente alterado, provocando um efeito de estranhamento bem conseguido na maior parte do seu uso. A construção narrativa do filme, de certo modo, pretende se fazer de duplo da própria personagem Justine ou, observando de outro modo, Justine acaba sendo a tradução mais aproximada das idéias que o seu polêmico realizador pretendeu trabalhar, sendo que tal uso de um discurso indireto livre para o cinema já havia sido utilizado por boa parte dos cineastas modernos (Antonioni, Godard, etc), sendo suas protagonistas femininas, aliás, privilegiadas igualmente. Seu tom apocalíptico enquanto (ao menos aqui) pouco mais do que um pretexto para analisar a relação entre duas irmãs possui seus pontos de contato com Tarkovski, referência presente igualmente no plano visual, seja em seu prólogo em câmera lenta ou no quadro de Bosch. Porém a relação entre o drama existencial de suas protagonistas e a própria finitude do universo, que já não havia sido costurado de forma completamente equilibrada por Tarkovski, aqui acaba ocasionalmente caindo no risco de soar ainda mais pretensioso em sua literalidade – trata-se, guardadas as devidas inversões, de se pensar não a gênese do mundo (representada no contemporâneo A Árvore da Vida) mas o seu oposto a partir de conflitos vinculados a natureza familiar; por mais que aqui, diga-se de passagem, tais conflitos são menos explicitados, da forma quase didática como se encontram presentes no filme de Malick. De todo modo o resultado acaba sendo comprometido parcialmente por, com o relativo distanciamento emocional que é comum às obras do realizador, não ocorrer uma identificação com o drama apocalíptico, e soando patéticas muitas das cenas que poderiam ter sido potencialmente as de maior força, como o caso de Gainsbourgh chorando desesperada ao final, pouco antes de ser varrida do mapa pelo choque entre os planetas. É justamente nesse delicado equilíbrio entre o afastamento e a proximidade, tão raramente obtido com êxito como em Fassbinder, que o filme, ao contrário de outras obras do realizador (tais como Dogville ou Ondas do Destino, com o qual compartilha aliás tanto a figura feminina emocionalmente instável e a câmera nervosa) que o filme acaba ocasionalmente tropeçando. Seu próprio estilo visual parece, como o estado emocional de seus personagens, inverter-se ao longo do filme. Da câmera nervosa, e da situação igualmente tensa, evocativa de Festa de Família se passa, via de regra, a uma contemplação mais distanciada e serena dos eventos finais. Menos orgânico e mais errático do que o filme de Malick, também pode ser considerado como mais ousado. Quando observada, retrospectivamente, muitas das deslumbrantes e aparentemente desconexas imagens iniciais acabam se tornando compreensíveis, ainda quando somente pelo viés da subjetividade atormentada de sua Justine e von Trier não pretende deixar nenhum espaço sobre a dúvida quanto ao colapso final, já antecipado igualmente em seu prólogo. Tampouco se pode dizer que exista alguma surpresa no caráter visionário de Justine, fazendo coro ao habitual senso romântico da própria alma artística ou em muitas de suas cenas, como a descoberta da morte suicida de John pela esposa já de muito antes. De um modo geral, o filme se sai bem melhor em sua primeira metade, do que em seu arrastado e crescentemente vazio final. Sem dúvida, seu final, no qual o final da narrativa acaba se tornando o final de toda e qualquer narrativa possível,  parece ser o mais radical  da história do cinema em termos de distopia, caso se observe pelo ângulo da ficção científica. Zentropa Ent./Memfis Film/Zentropa Int. Sweden/Slot Machine/Liberator Prod./Zentropa Int. Köln/Film I Väst/DR/arte France Cinéma para Magnolia Pictures. 136 minutos.

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