The Film Handbook #3: Rouben Mamoulian

"O filho de um gangster nada mais é que um alfaiate": Maurice Chevalier tira as medidas de Jeanette MacDonald no delicioso musical Ama-me Esta Noite, de Mamoulian


Nascimento: 08/10/1898, Tiflis, Georgia, Rússia
Morte: 04/12/1987, Woodland Hills, Califonria, EUA

Frequentemente admirado com má vontade como um inovador cuja carreira entrou em acentuado declínio após o início dos anos 30, Rouben Mamoulian foi um dos mais consistentemente criativos e talentosos realizadores de Hollywood por mais de duas décadas. Se sua obra não possui unidade temática, sua pura elegância e engenhosidade, e seu inteligente uso do pleno potencial do cinema tornam sua versatilidade tanto surpreendente quanto estilisticamente única.

Mamoulian chegou a América (através de Londres) nos anos 20, tendo trabalhado no Teatro de Arte de Moscou aonde foi um discípulo do veterano Stanislavski. Na época que se tornou um bem sucedido diretor de ópera e teatro em Nova York, no entanto, ele já havia abandonado o naturalismo por uma estilização poética mais experimental, baseada no ideal de conquistar expressão dramática pela cuidadosa mistura de ações, dança, música, diálogos, cenários, cores e interpretações. Em 1929 ele dirigiu seu primeiro filme para a Paramount com Aplausos (Applause), a narrativa do amor auto-sacrificial de uma dançarina de burlesco madura por sua filha que se transformaria num dos melhores dos primeiros talkies, com Mamoulian fazendo uso de complexos movimentos de câmera, efeitos sonoros e composições expressionistas para emprestar ritmo e força a uma trama potencialmente insípida. Ainda melhor foi Ruas da Cidade (City Streets) >1, uma história romântica de gangsteres que chamou atenção pelo uso subjetivo do som a sugerir tormentos interiores e por uma notável narrativa elíptica que sugeria mais que apresentava os assassinatos e os planos para cometê-los. Porém foi com O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde) >2, que Mamoulian pela primeira vez fez uso do som, trabalho de câmera e montagem para criar uma obra-prima de introspecção social e psicológica. A monstruosidade de Hyde é claramente sexual, resultante da frustração e desprezo já existente em Jekyll pelos códigos morais repressivos da Inglaterra vitoriana. Ainda que a utilização da câmera subjetiva no primeiro rolo e o explícito contraste entre a sóbria aristocracia londrina e suas classes populares mais voluptuosas sirvam para revelar uma esquizofrenia individual e universal.

Bastante diferente mas igualmente efetivo, Ama-me Esta Noite (Love me Tonight) >3 foi uma comédia musical soberbamente engenhosa. Superando a obra de Lubitsch em seu próprio campo através de um implacável mescla inventiva de diálogos rimados, montagem sonora, efeitos especiais de câmera, insinuações brilhantes e o estratagema irregular mas charmoso  de ter todos os atores (incluindo o imponente dândi C. Aubrey Smith) cantando com suas próprias vozes.  Depois disso, Mamoulian dirigiu diversos dramas de costumes inteligentes que revelaram seu talento para dirigir atrizes: Dietrich em O Cântico dos Cânticos (Song of Songs), Garbo no seu melhor em Rainha Cristina (Queen Christina), Anna Sten em Tornaremos a Viver (We Live Again) (uma boa adaptação de Ressureição de Tólstoi) e, mais memorável de todas, Miriam Hopkins em Vaidade e Beleza (Becky Sharp) >4, primeiro longa realizado completamente em Technicolor trifásico. Uma versão fluida, elegante e divertida de Feira das Vaidades de Thackeray, com Mamoulian fazendo uso de sua paleta de cores com propósitos dramáticos mais que decorativos, delineando personagens através de seus figurinos e representando as novidades sobre a Batalha de Waterloo em uma cena de baile no qual os brilhantes vestidos são repentinamente enlameados pelo sangue dos mantos dos soldados. Por essa época, no entanto, ele estava novamente trabalhando regularmente no teatro - frequentemente dirigindo musicais - e seus filmes se tornam menos frequentes e mais irregulares. O Mundo é Meu (The Gay Desperado) e Alegre e Feliz (High Wide and Handsome) foram fantasias musicais, a primeira vibrante porém rasa, a segunda um ambicioso épico ambientado nos campos de petróleo da Pensilvânia em 1859; Conflito de Duas Almas (Golden Boy) foi uma versão com afinado elenco para a peça de Clifford Odets a respeito de uma juventude sem dinheiro e dividida entre os ringues de boxe e o violino, e Ela Queria Riquezas uma pouco usualmente anônima e divertidamente irregular comédia de trapaças.

A Marca do Zorro (The Mask of  Zorro) e Sangue e Areia (Blood and Sand) >5, entretanto, confirmam a permanente preocupação de Mamoulian com o drama traduzido através de movimentos dos personagens e da câmera. O primeiro foi um vibrante e deliciosamente irônico capa-e-espada; o última uma adaptação da história de Ibañez sobre um rapaz simples do campo cujo sucesso como matador o leva à tentação e morte violenta e precoce; o uso das cores e a direção quase coreográfica de Mamoulien transformou o conjunto em um requintado e sutil melodrama. Por fim, ainda que realizados com o intervalo de dez anos, dois bons musicais exibiram seu ainda consumado talento: Idílio para Todos (Summer Holiday), adaptado de A Juventude Não é Tudo/Ah!Wilderness, de Eugene O'Neil combinava nostalgia provinciana com uma história de argutos ritos de iniciação, enquanto Meias de Seda (Silky Stockings) >6, uma refilmagem de Ninotchka, de Lubitsch, com uma engenhosa trilha musical de Cole Porter, alternava algumas das mais cativantes e íntimas sequencias de dança jamais filmadas com uma sátira mordaz sobre a mentalidade mercenária da Hollywood contemporânea. Aliás, Mamoulien não dirigiria mais filmes. Em 1944 ele já havia abandonado o que se tornaria Laura de Preminger; em 1949 ele havia sido substituído em Porgy and Bess pelo mesmo diretor e, mais de uma década após, ele desistiu de dirigir Cleópatra, que acabou sendo comandado por Mankiewicz.

Pode parecer surpreendente que um diretor cuja formação (e contínuo sustento) fosse o teatro tenha sido tão apto ao narrar histórias fílmicas, nunca dependendo de diálogos realistas para provocar efeito. Além do que o senso de composição, movimento, música e cor de Mamoulien o afirmam como um grande estilista, sua ironia - nunca cínica - garante-lhe um toque cômico mais delicado que o de Lubitsch. Gosto, técnica e um interesse inteligente na forma são marcas de sua arte.

Genealogia
Embora seja comum comparar a obra inicial de Mamoulian com a de Lubitsch, Clair,Cukor, Whale, Ophüls, Powell (cujo Coração Indômito/Gone to Earth retrabalhou para o lançamento americano) e Minnelli podem ser paralelos igualmente relevantes. O musical de 1958 de Charles Lederer Never Steal Anything Small foi extraído de The Devil's Hornpipe, uma peça escrita por Mamoulian e Maxwell Anderson.

Leituras Futuras
Mamoulian (Londres, 1969), Tom Milne.

Destaques
1. Ruas da Cidade, EUA, 1931, c/Gary Cooper, Sylvia Sidney, Paul Lukas

2. O Médico e o Monstro, EUA, 1931 c/Fredric March, Miriam Hopkins, Rose Hobart.

3. Ama-me Esta Noite, EUA, 1934 c/Jeanette MacDonald, Maurice Chevalier, Charles Ruggles

4. Vaidade e Beleza, EUA, 1935 c/Miriam Hopkins, Sir Cedric Hardwicke, Nigel Bruce

5. Sangue e Areia, EUA, 1941 c/Tyrone Power, Linda Darnell, Rita Hayworth

6. Meias de Seda, EUA, 1957 c/Fred Astaire, Cyd Charisse, Janis Paige, Peter Lorre

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook.Londres: Longman, 1989, pp. 187-9.

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