The Film Handbook #7: D.W. Griffith

Lilian Gish e Richard Barthelmess em Inocente Pecadora, de Griffith


D.W. Griffith

Nascimento: 23/01/1875/La Grange, Kentucky, EUA.
Morte: 23/07/1948, Los Angeles, Califórnia, EUA
Carreira: 1908-31

Muito frequentemente, o olhar retrospectivo pode ser uma vantagem diferenciadora na tentativa de avaliar o status artístico de um criador popular em certo momento; porém no caso de David Wark Griffith é, talvez, um entrave. Considerado o grande inovador que se erguia acima dos outros diretores nos anos do cinema mudo, muitos de seus filmes mais conhecidos, entretanto, hoje soam piegas, datados e, até mesmo, em diversos casos, ofensivos.

Crescido numa fazenda do Kentucky, Griffith foi um quase arquetípico cavalheiro sulista, cortês, determinado e liberal, ainda que marcado pelas experiências da escravidão e da Guerra Civil. Após viver seus anos de formação atuando junto a trupes teatrais, passou a trabalhar como roteirista e diretor para os estúdios Biograph onde, nos próximos cinco anos, realizou quase 500 filmes de um ou dois rolos. Foi a época que Griffith (com o cinegrafista Billy Bitzer e um grupo de atores que incluía Mary Pickford, Bobby Harron e as irmãs Gish) decidiu explorar e expandir a linguagem cinematográfica. Primeiros planos, montagens paralelas e outras técnicas hoje tidas como rotineiras já haviam sido "inventadas", mas foi Griffith que aprendeu a utilizá-las para melhor expressar emoções.

Seus primeiros filmes foram frequentemente charmosos, líricos e inventivos. Westerns e romances eram abundantes, apesar de outros gêneros terem sido explorados em obras como An Unseen Enemy (simples porém efetivo filme de ação que testemunhou a estreia cinematográfica de Dorothy e Lilian Gish) e The Musketeers of Pig Alley (talvez o primeiro filme de gangster). Após assistir o épico italiano Quo Vadis?, entretanto, Griffith ambiciosamente realizou o filme em quatro rolos, Judith of Bethulia>1, combinação de extravagante reconstituição histórica com cenas relativamente íntimas a respeito da relação de amor-ódio entre Judith e Holofernes, dispondo o padrão para muitos de seus posteriores triunfos. Porém a Biograph empacou com os custos da produção, e Griffith teve que fundar sua própria companhia com Mack Sennett e Thomas Ince.

Em 1915 o filme de Griffith mais bem sucedido e controverso, O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation)>2, foi lançado. Seguindo os destinos de duas famílias - uma sulista, outra nortista - durante e após a Guerra Civil, apoiou-se tanto em seu amor pessoal pelo sul quanto no aprendizado técnico proporcionado pelos anos na Biograph. Um espantoso épico de três horas, suas cenas de batalhas ainda hoje parecem poderosamente reais, enquanto um salvamento de último minuto - um final regular de clímax habitual em seus curtas - é um modelo de excitante e rápida montagem paralela. Porém o filme de Griffith, ainda que lamentando a futilidade da guerra e a morte de Lincoln, era também racista em seu retrato dos negros irresponsáveis e traiçoeiros que desafiam a supremacia branca nos anos da Reconstrução do sul. Seus heróis são da Ku Klux Klan. Compreensivelmente, seu status como primeira obra prima genuína do cinema norte-americano foi ferozmente questionada por grupos negros e vinculados aos direitos civis.

Como uma resposta a estas críticas, o filme seguinte de Griffith foi chamado Intolerância (Intolerance)>3. Outro épico verdadeiramente gigantesco, pinta um retrato da crueldade e injustiça através dos tempos, intercalando quatro histórias vinculadas por seus temas: a crucificação de Cristo, a queda da Babilônia, o massacre da noite de São Bartolomeu e uma história moderna a respeito da eclosão de uma greve e de movimentos reformistas, além de um jovem marido equivocadamente acusado de assassinato. Novamente a dimensão é vasta e a técnica formidável, mais destacadamente nas cenas de milhares de extras saltitando ao redor do monumental cenário babilônico. Outra vez igualmente, entretanto, a mensagem foi frequentemente diluída por frequentes lapsos em admoestações morais sentimentais  e pomposas.

As plateias contemporâneas acharão Intolerância longo e de difícil compreensão; sua ambição desmesurada provocou seu fracasso comercial. Sábia, ainda que relutantemente, Griffith começou a realizar romances pastorais e melodramas líricos mais simples e menos caros nos quais o brilhante trabalho de câmera de Bitzer e as crescentemente sutis interpretações de Lilian Gish dominaram. Corações do Mundo (Hearts of the World)>4, foi uma história de amor ambientada contra o pano de fundo da I Guerra Mundial; Pobre Amor (True Heart Susie)>5, uma narrativa terna da vida rural e auto-sacrifício emocional; Lírio Partido (Broken Blossons)>6, um magnificamente atmosférica recriação em estúdio da Limehouse londrina, ambiente para uma trágica amizade entre uma órfã indigente e um cortês chinês. De forma notável, ainda que o enredo sugira que Griffith estava horrorizado pela possibilidade de miscigenação, ele permite a seu herói oriental uma dignidade muito maior que os negros de O Nascimento de uma Nação.

Em 1920, juntamente com Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary Pickford, ele formou a United Artists, e construiu seu próprio estúdio. Sua estrela estava em declínio, no entanto, ainda que seu Inocente Pecadora (Way Down East)>7 (um conto bombástico sobre uma garota inocente enganada por um falso casamento, seja lembrado por um agitado clímax no qual Richard Barthelmess resgata Lilian Gish de um bloco de gelo) tenha sido um enorme sucesso. Órfãs da Tempestade (Orphans of the Storm) >8- impressionante em seu retrato das dificuldades e da pobreza, e destacando as rebeliões da Bastilha, duelos, raptos, salvamento da guilhotina - reuniu as irmãs Gish; porém seu conto da Revolução Francesa fracassou em encontrar o público que merecia. Os valores vitorianos de Griffith e seus sermões sublimes estavam se tornando crescentemente fora de moda numa época mais interessada em vamps e gangsters; enquanto seus filmes se tornavam mais convencionais, seu público e financiadores o abandonavam. Após realizar somente dois filmes sonoros (um deles Abraham Lincoln>9, apresentando uma perfomance bastante eficiente de Walter Huston), ele desapareceu da vida pública.

Griffith, em última instância, era um homem de contradições. Para sempre vinculado à moralidade e, em alguma medida, convenções dramáticas do século XIX e ao Velho Sul foi, no entanto, uma figura crucial no desenvolvimento de uma linguagem cinematográfica durante a infância do meio. Para o diretor, mensagens edificantes frequentemente ganhavam precedência sobre a técnica; ao passo que para o público moderno, seu estilo narrativo e originalidade parecem ser de bem maior importância.

Genealogia
A influência de Griffith é imensa. Curiosamente, muitos importantes realizadores pioneiros de Hollywood - BrowningDwan, Ford, Walsh e Von Stroheim dentre eles - trabalharam como atores ou assistentes em O Nascimento de uma Nação e Intolerância; seu estilo de montagem e concepção do cinema como um meio pedagógico para as massas foi grandemente admirada por realizadores soviéticos. Mais recentemente os Irmãos Taviani prestaram seu tributo a Griffith em Bom Dia, Babilônia.

Leituras Futuras
The Films of D.W. Griffith (Nova York, 1975), The Movies, Mr. Griffith and Me (Nova Jersey, 1969) de Lilian Gish, Adventures with D.W. Griffith (Nova York, 1973) de Karl Brown.

Destaques
1. Judith of Bethulia, EUA, 1914 c/Blanche Sweet, Henry B. Walthall, Mae Marsh

2. O Nascimento de uma Nação, EUA, 1915, c/Mae Marsh, Lilian Gish, Robert Harron

3. Intolerância, EUA, 1916 c/Mae Marsh, Robert Harron, Constance Talmadge

4. Corações do Mundo, EUA, 1918 c/Lilian Gish, Dorothy Gish, Noël Coward

5. Pobre Amor, EUA, 1919 c/Lilian Gish, Robert Harron, Clarine Seymour

6. Lírio Partido, EUA, 1919, c/Lilian Gish, Richard Barthelmess, Donald Crisp

7. Inocente Pecadora, EUA, 1920, c/Lilian Gish, Richard Barthelmess, Lowell Sherman

8. Órfãs da Tempestade, EUA, 1921 c/Lilian Gish, Dorothy Gish, Joseph Schildkraut

9. Abraham Lincoln, EUA, 1930, c/Walter Huston, Una Merkel

Fonte: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 121-3.


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