The Film Handbook#27: Nagisa Oshima



Nagisa Oshima
Nascimento: 31/03/1932, Tamano, Okayama, Japão
Morte: 15/01/2013, Fujisawa, Kanagawa, Japão
Carreira (como realizador): 1959-99

O mais original e importante realizador japonês a emergir na cena internacional desde Kurosawa, Nagisa Oshima é tanto estilisticamente versátil quanto politicamente astuto. Muitos de seus filmes tratam dos problemas enfrentados pelo Japão no pós-guerra com uma mistura de comprometimento político e brilhante inventividade formal desconhecida tanto em seu próprio país quanto no Ocidente.

Após estudar história política, Oshima passou a fazer parte dos estúdios Shochiku, primeiro como assistente, depois como roteirista. Após cinco anos realizaria sua estreia como diretor com Uma Cidade de Amor e Esperança/Ai To Kibô no Machi, notável por sua atitude hostil em relação aos códigos tradicionais de comportamento que governavam o Japão contemporâneo. De fato, a obra inicial de Oshima, frequentemente em gêneros que descrevem sexo e violência, distinguiu-se por uma simpática e raramente sentimental compreensão da desilusão rebelde da juventude somada a uma consciência da hipocrisia e corrupção subjacente a maior parte da história recente do Japão: A Presa/Shiiku, por exemplo, faz uso do artíficio do prisioneiro negro americano assassinado por moradores de uma vila na montanha para analisar tanto as tensões entre gerações quanto as atitudes do Japão em relação ao seu próprio passado violentamente xenófobo. Estilisticamente, a maior parte da obra inicial de Oshima revela uma preferência por planos-sequencias abertos (apesar de Violence at Noon/Hakuchu no Torima e a animação sob formato de quadrinhos O Grupo de Ninjas/Ninja Bugei Cho serem notáveis pela montagem acelerada; porém somente com Enforcamento/Kôshikei>1, o diretor veio a ser universalmente reconhecido como um grande realizador inovador.

Um tour-de-force em todos os sentidos, Enforcamento conta sobre o caos que se segue a uma execução fracassada de um jovem coreano por estupro e assassinato de duas garotas japonesas. Operando simultaneamente com um argumento contra a pena capital, como uma investigação sobre o tratamento do Japão às minorias enquanto cidadãos de segunda categoria e como engenhosa comédia de humor negro sobre as relações entre realidade e ilusão, concebendo uma afiada sátira à absurda incompetência burocrática e corrupção em um inventivo arranjo de efeitos brechtianos. Questões são endereçadas ao público, o realismo austero se transforma em fantasia surreal; existem manifestações repetidas de que o que assistimos é, como as teorias sobre a causa do crime diante dos oficiais, algo não real mais um artificio inventado. Ainda mais formalmente ousado, mesmo que menos rigorosamente argumentado foi Diário de um Ladrão de Shinjoku no qual teatro de rua, documentário e a busca ficcional de um casal por satisfação sexual são observados contra um pano de fundo de manifestações estudantis, formando uma colagem alusiva que ilustra os esforços por auto-expressão e liberdade numa sociedade consumida pelo materialismo e códigos conformistas de conduta.

Em O Garoto>2 e A Cerimônia Solene>3, Oshima adotou um estilo narrativo menos experimental e mais linear. O primeiro sobre uma família que sobrevive de falsos acidentes de carros seguidos por chantagens que seus motoristas pagam aos danos não existentes em seu filho, foi tanto um tocante retrato pouco usual do gradual afastamento da realidade para um mundo de fantasia lúgubre pelo garoto, assim como mais um exemplo do interesse de Oshima naqueles à margem da sociedade; enquanto o segundo, uma alegoria sutil da história japonesa do pós-guerra  simbolizada por encontros rituais familiares, foi uma demonstração soberbamente elaborada de quão absurdamente vazias são muitas das tradições do país (convenções que demandam, por exemplo, que um casamento prossiga como planejado mesmo que a noiva se encontre ausente). Do mesmo modo Dear Summer Sister/Natsu no Imôto procede firmemente de um drama suave sobre um romance de férias adolescente para um retrato sombrio dos efeitos do número recorde de atrocidades perpetradas pelo Japão durante a guerra em Okinawa.

Em 1976 Oshima conseguiu um succès de scandale com O Império dos Sentidos/Ai No Corrida>4, uma elegantemente estilizada e fisicamente explícita história de um relacionamento sexual obsessivo que culmina em morte e castração. Notavelmente, a despeito de suas repetidas imagens do ato sexual, o filme apresente uma inédita vivacidade em sua consciência das afetuosas correntes emocionais que levam os protagonistas a se retirarem para um mundo isolado de fantasias privadas. Os filmes posteriores, no entanto, com estilo narrativo mais convencional aparentam serem mais oportunistas em sua ênfase no erótico. O Império da Paixão/Ai no Borei foi uma história extravagante e superficial de amantes adúlteros assombrados pelo fantasma do marido da esposa; Furyo - Em Nome da Honra/Merry Xmas, Mr. Lawrence>5, um intrigante, ainda que ao final de contas, rotineiro, filme de guerra no qual o amor homossexual de um oficial em um campo de concentração japonês por um major inglês pouco se aprofunda numa análise do choque cultural; Max, Meu Amor/Max Mon Amour foi uma astuta sátira aos códigos morais quase buñuelesca e estranhamente não sensacionalista, ambientada em Paris, sobre o relacionamento adúltero entre a mulher de um respeitado diplomata e um chimpanzé.

Se os filmes recentes de Oshima não possuem a energia, o poder subversivo e a inovadora originalidade de suas melhores obras, ele permanece como um grande diretor que evita o fácil e o óbvio. Seus primeiros filmes, políticos, foram tentativas lúcidas, revigoradoras e inteligentes de criar novas formas de narrativa cinematográfica, ainda que sua obra mais visualmente elegante  posterior represente uma contribuição algumas vezes oblíqua, mesmo subversiva, às convenções do cinema de arte internacional.

Cronologia
Pertencendo a uma geração de realizadores japoneses que inclui Hiroshi Teshigahara, Yoshishige Yoshida, Masahiro Shinoda e Shohei Imamura, Oshima apresenta uma profundidade política e emocional que inexiste em Godard, com quem é frequentemente comparado. Sua obra mais brechtiana mais se assemelha a de Makavejev, e pode ter influenciado o posterior Shuji Terayama.

Leituras Futuras
Second Wave (Londres, 1970), Ian Cameron e Japanese Film Directors (Nova York, 1978), de Audie Bock.

Destaques
1. Enforcamento, Japão, 1968 c/Yun Do-Dum, Kei Sato, Fumio Watanabe

2. O Garoto, Japão, 1969 c/Tetsuo Abe, Fumio Watanabe, Akiko Koyama

3. Cerimônia Solene, Japão, 1971 c/Kenzo Kawarazaki, Atsuo Nakamura

4. O Império dos Sentidos, Japão/França, 1976 c/Tatsuya Fuji, Eiko Matsuda

5. Furyo - Em Nome da Honra, Japão/Reino Unido, 1983 c/David Bowie, Ryuichi Sakamoto, Tom Conti

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 205-7.


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