The Film Handbook#44: Charles Chaplin

Chaplin - de modo tipicamente sentimental - como o vagabundo que adota O Garoto, interpretado por Jackie Coogan

Charles Chaplin
Nascimento: 16/04/1889, Londres, Inglaterra
Morte: 25/12/1977, Corsier sur Vevey, Suiça
Carreira (como diretor): 1914-67

A popularidade uma vez universal de Charles Spencer Chaplin - durante sua vida foi um dos homens mais famosos que o mundo jamais conheceu - é facilmente compreensível pela simples análise de seus filmes. Mais conhecido como "o pequeno vagabundo" (Carlitos), ele extraiu de suas experiências de infância de pobreza e perda sua descrição da quintessência do oprimido, uma visão requintada e sentimental do Homem Comum eternamente às turras com os fortes e os ricos, os poderosos e injustos. Para as massas que se amontoavam nos cinemas, Carlitos era uma figura a qual se identificar comovente e hilariamente vingativa.

Tendo sido levado ao teatro quando criança, Chaplin se tornou um talento de destaque na trupe de vaudeville de Fred Karno e, durante a segunde turnê da companhia aos Estados Unidos, em 1913, uniu-se a Mack Sennet na Keystone. Em menos de dois anos ele começou a dirigir suas próprias comédias de um ou dois rolos. Em 1914 o vagabundo fez sua primeira aparição (completa, com bengala, chapéu coco, calças frouxas e um riso encantador) em Corridas de Automóveis para Meninos/Kid Auto Races at Venice; pelo final da década tanto o personagem quanto sua popularidade já se encontravam amplamente estabelecidas, o segredo de seu sucesso residindo em pura comédia pastelão mesclada a um sentimentalismo lacrimoso. Somente uma vez, com Casamento ou Luxo/A Woman of Paris, uma elegante e sofisticada comédia de costumes, Chaplin se afastaria completamente dessa fórmula.

Em O Garoto/The Kid>1, a experiência de Carlitos de uma rude cidade dickensiana é amplificada através de um envolvimento quase maternal com um menino de rua órfão e endiabrado. Já aqui, os elementos de comédia e ininterrupto e vago comentário/sátira social são entrelaçados com resultado atraente.

Enquanto ator, Chaplin ten sido frequentemente elogiado por sua graça de bailarino quando, de fato, sua marcha amaneirada e expressões marcantes através de sorrisos são pura pantomima, forma utilizada com mais eficácia (já que aqui integrados à história) em O Imigrante/The Pilgrim>2  quando o Vagabundo, um condenado fugitivo com pouca compreensão da Bíblia, é confundido com um pessoa e forçado a fazer mímica a uma multidão desnorteada, da história de David e Golias. Noutros filmes, as limitações de seu estilo são mas óbvias e sua falta de interesse em fazer uso da câmera como qualquer outra coisa que um dispositivo de registro para seus rotineiros números cômicos de vaudeville.

Por volta desse momento, o estrondoso sucesso de Chaplin o habilitou a se tornar um dos membros fundadores da United Artists. Não obstante, quando efetua a transição para as comédias de longa-metragem, paranoia e auto-piedade se tornam crescentemente recorrentes em sua visão da vida. O Vagabundo, infantilmente rancoroso mas estranhamente cavalheiresco em seus modos luta contra um universo hostil de durões brutais e plutocratas insensíveis;  em Em Busca do Ouro/The Gold Rush>3, imagina-se a si próprio como uma galinha a ponto de ser devorada por um gigante faminto com o qual se encontra preso em uma cabana coberta de neve; em Luzes da Cidade/City Lights>4, é esbofeteado e traído pela amizade de um instável milionário alcoólatra, enquanto se apaixona, de forma algo patética e clichê, por uma florista cega; e em Tempos Modernos/Modern Times>5, encontra-se a mercê da maquinaria industrial, arriscando se tornar uma engrenagem irracional em um mundo mecânico. Agora -  por volta de meados dos anos 30, por mais que Chaplin tenha resistido à chegada do som e ainda evitando a presença de diálogos - o comentário social simplista começava a dominar a comédia e o Vagabundo resistiu a essa chegada.

De toda forma, certos elementos da arte de Chaplin  seriam transferidos para o momento mais ambicioso de sua carreira. Para O Grande Ditador/The Great Dictator>6, uma tentativa corajosa, mas mal concebida, de alertar a América para os riscos do Nazismo, interpretou dois papéis: o tirano egotista Adenoid Hynkel (uma personificação caricata de Hitler) e seu duplo, um pobre barbeiro judeu cuja vida é ameaçada pela ditadura anti-semita. Uma ideia engenhosa é destruída não apenas pela essencial semelhança do filme aos seus filmes anteriores (com Hynkel no lugar dos durões provocadores e o barbeiro como Vagabundo) mas igualmente pelo longo monólogo final, que é sua chamada às armas,  politicamente ingênuo e inábil em termos dramáticos. Somente uma sequencia revela alguma verdadeira verve cinematográfica - quando Hynkel demonstra seu desejo de dominar o mundo brincando com o globo como se fosse um balão - e que, ainda assim, é pantomima. 

Tanto a misoginia que conformava a insípida languidez do Vagabundo em relação à mulheres vilipendiadas quanto os olhares maneiristas e insinuantes para a câmera, que haviam se tornado meios de assegurar a simpatia do público se encontram em primeiro plano em Monsieur Verdoux>7, irregular mas reveladora comédia de humor negro sobre um assassino em série de esposas de modos excêntricos e elegante modo de vestir. Porém o verborrágico e pobremente encenado Luzes da Ribalta/Limelight>8, no qual um envelhecido intérprete de music-hall lamenta repetidamente sua sorte declinante a quem se prestar a ouvi-lo, foi um pouco imaginativo chafurdar na auto-comiseração, completo com filosofares rusticamente banais sobre a natureza da Arte e o sentido da Vida. Porém, nada havia preparado o público para o constrangimento que foi Um Rei em Nova York>9. Exilado na Europa, após escândalos maritais e problemas com a Comissão para Atividades Anti-Americanas a respeito de suas alegadas simpatias comunistas, Chaplin ativou seu ressentimento e amargor de cheio com uma sátira vazia e inconvincente sobre a intolerância e o comercialismo de uma América hipnotizada pela televisão e pela publicidade.Abertamente autobiográfico, o filme sofreu com lamentáveis interpretações e direção, para não mencionar sua indisfarçável bile. 

Um último filme se seguiria, o inócuo A Condessa de Hong Kong>10, uma vacilante farsa romântica, ambientada em um transatlântico e estrelada por Marlon Brando e Sophia Loren (com o próprio Chaplin numa ponta como mordomo do navio, demonstrava o quão desantenado com os tempos Chaplin se encontrava desde que havia decidido fixar residência na Suíça. A velhice, no entanto, trouxe-lhe um acúmulo de honrarias internacionais e um renascimento de sua popularidade na América; em 1972, receberia um Oscar honorário, seguido três anos após por sua condecoração como cavalheiro. Ainda que os prêmios fossem um reconhecimento de seu gênio, ele deveria ser lembrado menos como um grande realizador que como o homem que foi o primeiro ícone verdadeiro do cinema. Qualquer que seja o valor de seus filmes, a importância de Chaplin reside na forma como corporifica o poder dos filmes de tocar o mundo.

Cronologia
As raízes da arte de Chaplin residem tanto nas suas experiências de infância quanto no melodrama e music-hall vitorianos. Sennett, Clair e o comediante silencioso francês Max Linder também exerceram influência. Seus muitos imitadores incluem Harold Lloyd e Harry Langdon, embora sua fascinação pelos oprimidos possa ser observada em comediantes posteriores como Jerry Lewis e o primeiro Woody Allen. Nos últimos anos sua reputação como artista de cinema tem sido eclipsada pela de Keaton, que tem uma pequena mas fascinante ponta em Luzes da Ribalta.

Leituras Futuras
Chaplin: His Life and Art (Londres, 1985) de David Robinson, The Silent Clows (Nova York, 1975), de Walter Kerr, My Autobiography (Londres, 1964) [No Brasil, Minha Vida (Rio de Janeiro, 1965) e My Life in Pictures (Londres, 1974), de Chaplin.

Destaques
1. O Garoto, EUA, 1921 c/Chaplin, Jackie Coogan, Edna Purviance

2. O Imigrante, EUA. 1923 c/Chaplin, Edna Purviance, Mack Swain

3. Em Busca do Ouro, EUA, 1925 c/Chaplin, Georgia Hale, Mack Swain

4. Luzes da Cidade, EUA, 1931 c/Chaplin, Virginia Cherrill, Harry Myers

5. Tempos Modernos, EUA, 1936 c/Chaplin, Paulette Goddard, Chester Conklin

6. O Grande Ditador, EUA, 1940 c/Chaplin, Paulette Goddard, Jack Oakie

7. Monsieur Verdoux, EUA, 1947 c/Chaplin, Martha Raye, Marilyn Nash

8. Luzes da Ribalta, EUA, 1952 c/Chaplin, Claire Bloom, Buster Keaton

9. Um Rei em Nova York, Reino Unido, 1957 c/Chaplin, Dawn Addams, Maxine Audley

10. A Condessa de Hong Kong, Reino Unido, 1967, c/Marlon Brando, Sophia Loren, Sidney Chaplin

Fonte: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp.50-2.

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