Filme do Dia: Cartas de Iwo Jima (2006), Clint Eastwood

Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, EUA, 2006). Direção: Clint Eastwood. Rot. Iris Yamashita, sob o argumento de Yamashita & Paul Haggis, a partir do livro Picture Letters from Commander in Chief, de Tadamichi Kuribayashi & Tsuyoko Yoshido. Fotografia: Red Stern. Música: Kyle Eastwood & Michael Stevens. Montagem: Joel Cox & Gary Roach. Dir. de arte: Henry Brumstead & James J. Murakami. Cenografia: Gary Fettis. Figurinos: Deborah Hopper. Com: Ken Watanabe, Kazunari Ninomiya, Tsuyoshi Yohara, Ryo Kase, Shido Nakamura, Hiroshi Watanabe, Takumi Bando, Yuki Matsuzaki.
Saigo (Ninomiya) é um humilde padeiro que teve sua vida duplamente interrompida pela guerra. Após ter que ser pescador por não mais ter material disponível para continuar seu negócio, vem a ser convocado pelo exército para Iwo Jima, uma ilha estrategicamente situada na defesa do Japão contra o avanço irremediável da superioridade das tropas americanas.  Saigo vive uma rotina inóspita, sendo chicoteado como um escravo a menor menção que soe antipatriótica aos ouvidos de seu superior até a chegada do General Kuribayashi (Watanabe), que não compactua com muitas das tradições culturais milenares enraizadas nas ações militares nipônicas. Isso fica evidente quando após a verdadeira hecatombe que sucede a ação americana, ele intervém mais uma vez em favor de Saigo, agora salvando-o de ser morto por um superior que não aceitava o fato dele e outro soldado terem ressistido a ordem de praticar o suicido ritual em sua caverna, após perceberem a ineficácia de qualquer reação. Impedidos de se renderem, mesmo sabendo que serão derrotados, a missão dos poucos sobreviventes do ataque americano se torna de uma forma ou de outra suicida, como é o caso do fim que tem o próprio General Kuribayashi, enquanto Saigo sobrevive entre os feridos.
Mesmo que o projeto seja relativamente ousado para as proporções de sua investida em termos de produção – elenco desconhecido do grande público americano e sem estrelas ou mesmo nomes de referência internacional com exceção de Watanabe, quase completamente falado em japonês, duração maior que a média e pouca atração por cenas voyeurísticas de batalha, mesmo contando com algumas imagens bastante fortes – em relação a um filme de guerra de maior apelo comercial, tampouco deixa de fazer uso de estratégias de amortização desse risco. Sem dúvida, a maior de todas é a de não compartilhar da inóspita missão, em termos de maior contato com o público, de procurar compreender os códigos culturais envolvidos na questão da honra, assim como outros. Saigo, ao contrário do que se pode imaginar do soldado comum, ou pelo menos da necessidade de empostação de tal conduta diante da coletividade, já que o filme leva a crer mais na segunda opção com relação aos outros soldados, é tudo menos isso. Ele é a referência básica de identificação com um espectador médio “universal”, que não fica nenhum pouco feliz em ser tragado de sua vida cotidiana para uma guerra numa ilha que nada vê de sagrada, que acha melhor entregá-la aos americanos e, no auge do terror das ações ofensivas americanas tampouco compreende o desespero suicida de seus compatriotas, identificando-se, portanto, de imediato, com a postura igualmente iconoclasta do incompreendido General Kuribayashi. Mesmo que o filme evidentemente esteja longe de ser antipático aos japoneses retratados, tampouco deixa de identificar a vinculação de seu personagem mais ilustrado – se em Saigo tal “compreensão” parece ser intuitiva, no caso do general ela é efetivamente reflexiva – com os Estados Unidos, onde empreendeu sua formação militar. Ainda que o filme tampouco seja excessivo em momentos de pieguice, o mais evidente deles se dá justamente na leitura da carta a um jovem soldado americano recém-morto no confronto; ao escutá-la, os soldados se emocionam com a “universalidade” dos sentimentos, e talvez um dos momentos que o mais aproxime, assim como a evidente vinculação com  relatos reais posteriormente apresentados (aqui a descoberta das cartas que haviam sido guardadas sobre a terra por Saigo), com a postura dos filmes mais pretensiosos de Spielberg, não por acaso um de seus produtores. Assim como filmes mais recentes de Spielberg, igualmente, a exemplo de Munique, tenta-se evitar colorações por demais polares como é o caso da representação dos americanos, que mesmo não sendo as bestas que haviam sido doutrinadas para os soldados japoneses, não se escusam em assassinar covardemente dois soldados japoneses que haviam se entregado. Não se deve esquecer outros elementos grandemente operantes, em termos de uma perspectiva menos permeada por efeitos dramáticos mais imediatos, que são a sua bela trilha sonora e os habituais flashbacks com momentos cruciais na vida de seus dois protagonistas, ainda que o filme habilmente se esquive de um desnecessário prolongamento que apresente o retorno de Saito para sua amada e o reencontro com o filho. Compõe um díptico juntamente com A Conquista da Honra, lançado no mesmo  ano, que pretende ser a versão americana da mesma batalha. Dreamworks SKG/Warner Bros./Amblin Ent./Malpaso Pictures para Paramount Pictures. 141 minutos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar