Filme do Dia: Mortalmente Perigosa (1950), Joseph H. Lewis

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Mortalmente Perigosa (Gun Crazy, EUA, 1950). Direção: Joseph H. Lewis. Rot. Adaptado: MacKinley Kantor, Dalton Trumbo & Millard Kaufman, a partir do conto de Kantor. Fotografia: Russell Harlan. Música: Victor Young. Montagem:  Harry W.Gerstad. Dir. de arte: Gordon Wiles. Cenografia: Raymond Boltz Jr.  Com: Peggy Cummins, John Dall, Barry Kruger, Morris Carnovsky, Anabel Shaw,  Harry Lewis, Nedrick Young, Trevor Bardette.
Recém-chegado após uma temporada no exército a sua pequena cidade, Barton “Bart” Tare, que possui uma obsessão por armas desde crianças, revê os amigos de infância,  dentre esses Clyde Boston (Dall) e vai a uma feira de espetáculos local. Lá fica impressionado pela beleza e destreza no manejo da arma de Annie Laurie Star (Cummins) e decide se unir a trupe mambembe, após o convite de Laurie e de seu cínico empresário Packett (Kruger). Esse, fica enciumado da atração que existe entre ambos e quando tenta se aproximar à força de Laurie tem um tiro disparado próximo de si por Bart. Ambos são despedidos, casam-se em um juiz de beira de estrada.

Há o apelo sensacionilista de observar na criança a ausência de psicopatia que se tornará de forma quase tão tosca quanto o naturalismo literário do século XIX fizera por diversas vias. Há a óbvia e evidente precariedade da produção, presente desde sua primeira cena com sua inconvincente chuva. Há o psicologismo baratao que se confunde com misoginia na figura de um Bart sempre refém de perder o amor de Laurie, que o leva a se afastar de seu “verdadeiro caráter” de retidão moral, distinto do dela (que Godard, assim como alguns  cacoetes, tais como o golpe inverossímil no pescoço, utilizaria de forma ambígua, entre tributária e zombeteira, em seu influente Acossado). Há também diálogos patéticos como o que Bart justifica não se separar de Laurie pois “armas e munição” sempre andam juntas. Sem dúvida o filme foi um marco em termos de ação violenta por parte de uma personagem feminina – é Laurie, e não Bart, quem atira para matar, algo que o título brasileiro do filme certamente não esqueceu, mais colado ao título alternativo original – Deadly is the Female. E, é claro, é impossível pensar Bonnie & Clyde sem esse filme que, por sua vez, foi livremente inspirado na saga dos dois assaltantes. E há ainda o desnecessário e torpemente clichê e arrastado prólogo com um flashback que justifica o protagonista ter “bom coração.” Dito isso, ocorre uma série de insinuações dúbias e rasteiras como a Laurie gostar de “coisas grandes”. Os personagens, sem densidade psicológica propriamente dita, para além do psicologismo rasteiro citado, movem-se mais livremente na ação – algo que talvez também tenha encantado Godard. Laurie não deixa de matar a senhora que fora mais rude e exigente com ela, numa piscadela ainda que inconsciente para uma geração rebelde que começava a chegar a adolescência e logo teria James Dean como seu ícone – de certa forma, acompanhamos com certo prazer essa morte. Por mais que o filme apresenta irrestrita simpatia para com seu protagonista masculino, a figura feminina é sempre encarada com mais dubiedade e apresentada ocasionalmente como fútil, egocêntrica, manipuladora, infantil e descontrolada, não se escusando, inclusive, da ideia de usar uma criança como escudo humano para se proteger da polícia.  Muito além da limitação ou mesmo canastrice do par central está a interpretação mais gloriosa do filme, de pequena participação, que é a do gerente do espetáculo vivido por Kruger. A célebre sequencia filmada em um único plano do assalto à banco dá conta da inventividade da encenação de Lewis diante da pobreza de recursos e exiguidade de tempo de filmagem que lhe era exigida e foi destacada por Scorsese em seu Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano, assim como A História do Cinema: Uma Odisséia. Trumbo escreveu sem ganhar os créditos do filme, pois se encontrava então na lista negra do Macarthismo.  E tão digno de nota quanto em termos de ganho de maior realismo é a ausência quase completa da utilização de projeção de imagens ao fundo em cenas de carro, prática que somente se tornaria comum em Hollywood muito tempo depois. King Brothers Prod. para United Artists. 86 minutos.

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