Filme do Dia: O Mágico (1926), Rex Ingram

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O Mágico (The Magician, EUA, 1926). Direção: Rex Ingram. Rot. Adaptado: Rex Ingram, a partir do romance de W.Somerset Maugham. Fotografia: John F.Seitz.  Montagem: Grant Whytock. Dir. de arte: Henri Menessier. Com: Alice Terry, Paul Wegener, Firmin Gémier, Iván Petrovich, Gladys Hamer, Henry Wilson, Hubert I.Stowitts.
Margaret Dauncey (Terry) tem sua coluna comprometida quando realizava uma escultura de dimensões maiores que as humanas e uma parte da escultura cai sobre si. Operada por um dos maiores especialistas do assunto, o norte-americano Arthur Burdon (Petrovich) ela é assistida por muitos interessados no tema, incluindo o hipnotista Oliver Haddo (Wegener). Após a cirurgia, plenamente recuperada, Margaret passa a namorar com Arthur, que já havia alertado a seu tio que nunca operara uma paciente tão bela. Haddo, no entanto, segue-a obsessivamente e certo dia consegue adentrar em sua residência, hipnotizando-a. Um dia antes de seu casamento com Burdon, Margaret deixa um recado para sua melhor amiga, Susie (Boyd), afirmando que casara com Haddo. Seu tio, Dr. Porhoët (Gémier), acredita que Margaret  casou hipnotizada e que Burdon deve buscar o paradeiro deles. Ele os encontra no cassino de Monte Carlo. Margaret volta a si após ver Burdon e manda-lhe um bilhete para que ele a encontre no castelo onde mora. Ela é internada em um sanatório, porém quando Burdon vai busca-la com o tio, já havia sido levada por Haddo. Eles a reencontram em vias de ser morta na sinistra experiência comandada por Haddo em seu castelo.
Inicia com sugestões algo sombrias do que espera o espectador, a partir de planos de gárgulas que ornamentam a catedral de Notre-Dame, como primeira imagem da célebre cidade. Sugestão insinuada de forma praticamente paródica pouco após, quando uma aprendiz de pintora reintitula seu quadro, de nítidos traços expressionistas, de Crepúsculo (Sunset) ao invés de Aurora (Sunrise), simplesmente apagando e reescrevendo as últimas letras. É curiosa a forma relativamente sofisticada com que o filme demarca sua personagem mais sinistra, vivida por ninguém menos que Wegener (O Golem), mais próximo de algumas alusões pictóricas apresentadas pelo filme e com uma interpretação em chave diferenciada em sua intensidade arrebatada de gestos, olhares e figurinos que do “eixo do bem” – embora Margaret estivesse realizando a escultura de um fauno, figura tão ou mais sinistra que a gárgula observada ao início, quando ela afirma que “ele parece ter saído de um melodrama”; os cenários das cercanias onde mora Margaret são também plenamente expressionistas. Mesmo virtualmente desconhecido, e independente de suas qualidades, talvez seja um dos filmes que melhor trabalhe a atmosfera soturna e “exótica” de alguns filmes expressionistas alemães, ressignificando de forma evidentemente mais realista o mundo alucinado de O Gabinete do Dr. Caligari (1919), de Wiene e, como naquele, associando o mundo da fantasia ao universo de feira de espetáculos. Algumas recorrências típicas do gênero se encontram aqui presentes, como o embate entre a ciência (representada por Burdon) e  a magia (caracterizada por Haddo), assim como a relação subliminar de desejo pela figura grotesca de Haddo por parte de Margaret, demarcando uma sexualidade que já se expressava antes mesmo dela conhecer Burton, quando ainda esculpia o fauno, que Haddo trará a vida diante de seus olhos, como que desvelando seus desejos reprimidos, numa liberação similar a provocada por alguma droga alucinógena, em imagens de um bacanal festivo evocativo de Häxam (1922), de Benjamin Christensen. Se Margaret deixa claro que o ato sexual não foi consumado com Haddo, o filme ainda assim vai além ao fazê-la casar com o vilão e só depois “ser salva”, sendo que o próprio Burdon já deixara claro que não se importava com o que ela havia feito com Haddo, pois sabia que ela se encontrava fora de si. Beneficia-se enormemente de suas filmagens em locação na França e em Mônaco, extraindo igualmente dos cenários naturais ocasionalmente algo de gótico, seguindo uma tradição que remete a O Estudante de Praga Nosferatu. Seu arrastado final se rende mais decepcionantemente ao que se tornaria abusivamente clichê no gênero horror (a heroína aprisionada e em vias de ser sacrificada pelo vilão, o castelo sinistro que ninguém ousa se aproximar numa noite repleta de raios, o indefectível incêndio do castelo, etc.), principalmente após serem reciclados por um cineasta  mais influente como James Whale (Frankenstein). Destaque para a cena em que a cobra pica mortalmente uma artista da feira que imediatamente antes havia flertado de forma incisiva com um marinheiro da plateia. E igualmente para algo recorrente na produção expressionista alemã (notadamente Nosferatu e O Gabinete do Dr. Caligari) que diz respeito a um livro, em tipos góticos ou linguagens cifradas,  que serve como inspiração para que o “eixo do mal” possua uma ascendência sobre o sobrenatural. Assim como para o belo plano em que se observa do alto da janela da residência de Haddo, uma Margaret indecisa e, posteriormente, de forma inversa, a partir da perspectiva dela um Haddo sinistro como a gárgula observada ao início, de ângulo algo similar em relação a Paris ao fundo. Por fim, não se poderia deixar de mencionar o seu elenco fortemente cosmopolita (com um austro-hungáro, um francês, um alemão, uma americana e uma britânica). Michael Powell foi assistente de diretor e surge numa ponta no número da feira e, mais importante, Ingram se tornaria uma influência fundamental para o cinema que realizaria posteriormente, inclusive em seu tino por criar atmosferas misteriosas e seu deleite pelo fantástico, mesmo quando relacionado a um padrão de mundo eminentemente realista, como aqui. Quando já com carreira cada vez mais firmada como realizador, seria a vez de Powell incluir Ingram em seu elenco em O Ladrão de Bagdá  (1940). Metro-Goldwyn Pictures Corp. 71 minutos.

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