Filme do Dia: Um Lance no Escuro (1975), Arthur Penn

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Um Lance no Escuro (Night Moves, EUA, 1975). Direção: Arthur Penn. Rot. Original: Alan Sharf. Fotografia: Bruce Surtees. Música: Michael Small. Montagem: Dede Allen. Dir. de arte: George Jenkins. Cenografia: Ned Parsons.  Figurinos: Rita Riggs. Com: Gene Hackman, Jennifer Warren, Edward Binns, Harris Yulin, Kenneth Mars, Janet Ward, James Woods, Anthony Costello, John Crawford, Melanie Griffith, Susan Clark.
O detetive particular Harry Moseby (Hackman) é contratado pela ex-atriz decadente Arlene Iverson (Ward) para procurar sua filha desaparecida de 16 anos, Delly (Griffiths). Ele vai ao encontro de alguns jovens com que Delly se relacionou e fica sabendo que ela se encontra com o padrasto Tom (Crawford) e sua atual companheira, Paula (Warren). No início da investigação Moseby flagra sua esposa Ellen (Clark) saindo de carro com um amante. Delly, como a mãe, tem a fama de ser fogosa. Quando mergulha à noite fica traumatizada com o cadáver que vê no fundo do mar e decide partir com Harry no dia seguinte. Harry a deixa em plena confusão na mansão da mãe. Pouco tempo depois, Ellen avisa que Delly está morta. Ela morreu no cenário da filmagem de uma cena de aventura. Moseby não acredita que tenha sido uma morte acidental. Ele retorna à Flórida para investigar a quantas anda o casal com quem se hospedou.

Faz parte do ciclo de filmes que, a partir de Um Perigoso Adeus (1973), de Altman passam a realizar uma revisão do gênero noir, tendo sido rodado, inclusive, no mesmo ano do filme de Altman. E é justamente quando comparado a essa produção de Altman, que o filme tem tudo a perder. Sim, o enredo rocambolesco, repleto de personagens e situações algo bizarras do modelo original se encontram presentes, só que nem de longe Penn consegue extrair disso um novo estranhamento tal qual Altman efetiva. Tudo parece impiedosamente condenado a não ser algo exatamente crível e não pelo talento com que o filme é estruturado, muito mais pelas péssimas interpretações, à exceção de um Hackman no auge de sua carreira, e diálogos talvez ainda mais sofríveis em sua tentativa malfadada de reproduzir a engenhosidade cínica de que eram dotadas as personagens do gênero em seu esplendor, sempre com tiradas na ponta da língua e de efeito provocativo. Não faltam referências – mesmo que negativas – a um realizador da Nouvelle Vague, uma das obsessões dos roteiristas do filme mais célebre de Penn (Bonnie & Clyde), Eric Rohmer e seu Minha Noite com Ela, no que provavelmente busca traçar algum paralelo com o próprio caso de infidelidade vivenciado aqui pela esposa do protagonista. Não há murros, sopapos ou tiros desnecessários, sendo que os últimos apenas surgem ao final, numa versão mais modesta e aquática da célebre sequencia de Intriga Internacional (1959), de Hitchcock. Não exatamente sutil, o filme investe num pouco crível diálogo sobre o filme de Rohmer, cineasta sobre o qual o detetive de Hackman se refere de outro filme seu como parecendo um “quadro velho”, assim como uma referência direta ao célebre detetive noir Spade. Altman ganha de longe nesse quesito, ao não transformar a sua releitura de Marlowe em uma acusação explícita do hiato cultural que separa os tempos do noir e os então correntes, como aqui Moseby faz questão de deixar evidente em seu discurso acusador contra uma patética Arlene; a impressão que se fica é que o filme atualiza a misoginia original do gênero apenas, sem igualmente ironiza-la como faz Altman e, nesse caso, mais que em todos, a personagem é um claudicante clichê de mulher fracassada e consciente de sua própria nulidade. Sua ausência de sutileza se estende a um fantasma ainda bastante onipresente no imaginário do país, o assassinato dos irmãos Kennedy, citados do nada por Paula a determinado momento e, posteriormente, referidos visualmente nas imagens, inclusive em 16 mm, realizadas por um documentarista que filmava o momento do acidente fatal que matou Delly – não por acaso o documentário apresenta imagens bem mais cruas que as captadas pelas câmeras da própria produção do filme dentro do filme.  Visualmente tampouco o filme demonstra qualquer talento específico, por vezes parecendo se aproximar perigosamente do que mais trivial se produzia na TV então e até mesmo o que poderia ser promissor, no caso o envolvimento de Moseby com Paula, é prejudicado pela rigidez com que Warren desfia suas pérolas. A ninfeta Griffith, então estreando no cinema, com uma personagem não tão distante do que será apresentado por Scorsese pouco depois com Taxi Driver, na pele de Jodie Foster,  é de uma participação atroz. Sua cena final, com um efeito especial surpreendentemente bem realizado, é mais um testemunho do descrédito da New Hollywood com os finais felizes. Warner Bros./Hiller Prod./Layton Prod. para Warner Bros. 100 minutos.

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