Filme do Dia: Serpente de Luxo (1933), Alfred E. Green

Serpente de Luxo (Baby Face, EUA, 1933). Direção: Alfred E. Green. Rot. Original: Darryl F. Zanuck, Gene Markey & Kathryn Scola. Fotografia: James Van Tress. Montagem: Howard Bretherton. Dir. de arte: Anton Grot. Figurinos: Orry-Kelly. Com: Barbara Stanwyck, George Brent, Donald Cook, Alphonse Ethier, Henry Kolker, Margaret Lindsay, Arthur Hohl, John Wayne, Robert Barrat, Theresa Harris.
Lily Powers (Stanwyck) habitualmente serve como isca para que homens influentes deixem que seu pai (Barrat) funcione com seu bar clandestino, numa pequena cidade industrial, de onde do horizonte apenas se avista chaminés e fumaça. Após a morte trágica do pai, Lily segue os conselhos de um homem mais velho, Adolph Gregg (Ethier), admirador de Nietzsche, para quem ela possui o poder que ela quiser com a beleza e confiança. Lily vai para Nova York com a empregada Chico (Theresa Harris), e decide que irá subir na vida a partir de seus encantos. Em pouco tempo ela envolverá e descartará homens em sucessão vertiginosa como o  operário bom moço (Wayne), o gerente (Dumbrille) até o mais promissor executivo da empresa, Ned (Cook), que se encontra noivo da filha de seu patrão, Ann (Lindsay). J.P. Carter (Kolker), o todo poderoso pai de Ann, procura pôr panos quentes em tudo, mas não escapa das maõs de Lily, tornando-a sua amante rica. Ned descobre tudo, matando o futuro sogro e se suicidando, provocando o maior escândalo da história do banco. Após uma reunião da diretoria, o novo presidente do banco, Trenholm (Brent) lhe dá uma quantia em dinheiro para que não publique sua história na imprensa e uma passagem para que vá morar em Paris, trabalhando numa filial do banco. Lá, no entanto, segue sua carreira na empres e volta a encontrar com ele. A paixão de Trenholm por ela é fulminante e logo que chega nas mãos da imprensa, torna-se motivo para mais um escândalo. Trenholm é processado por outros sócios do banco, e para enfrentá-los necessita de ajuda financeira, o que LIly nega. Desesperado, tenta o suicídio. Ela chega a tempo de chamar a ambulância e vai com ele até o hospital.
Sem dúvida muitas críticas podem ser feitas a esse filme, do seu pouco talento visual, mesmo que algumas irônicas tiradas como o mero movimento de câmera que apontam de um andar para outro mais acima, resumindo a ascensão da protagonista a cada nova conquista, demonstrem algo no sentido oposto ou ainda a presença de um personagem tão artificial quanto o velho que lhe aconselha sobre Nietzsche, visível apelo da narrativa que soa mais que artificioso, e a não menos inverossímil mudança radical de atitude da heroína após seus conselhos ou ainda a explícita menção ao desejo de poder em seu próprio sobrenome. Não há como negar, entretanto, sua ousadia e franqueza no trato do sexo, impensável para a moralista Hollywood pós-Código Hays. Porém, mais do que o alpinismo sócio-sexual de sua protagonista - que chega a conquistar um de seus amantes em um encontro fortuito em um banheiro no horário de almoço! – o que mais chama atenção é o modo igualmente amoral com que a narrativa descreve tudo até o final, repetindo de forma maquínica o modo como Lily atrai suas vítimas e as enlaça no seu próprio desejo, depois se desvinculando e sorvendo as benesses do mesmo, numa atitude que antecipa em décadas heroínas igualmente frias e dissimuladas como a Lola (1981), de Fassbinder. A quantidade exagerada de conquistas em tão pouco tempo sugere o desprezo pelo realismo, sem que para isso o filme tenha que dotar sua figura de sedução feminina um ambiente igualmente anti-realista tal como o que Sternberg preparou para sua musa Dietrich. Talvez um dos pontos fortes do filme seja justamente situar tal ambiente como o mesmo que tantos dramas românticos banais contemporâneos se utilizavam. Stanwyck consegue ser ainda mais mordaz do que as vilãs que empreendeu para o gênero noir em filmes da década seguinte, como Pacto de Sangue (1944), sem abdicar do sorriso ou perder a pose. A exceção sem dúvida chega ao final quando se faz necessária a inverossímil redenção de Lily, demonstrada do modo caricato que era habitual então, quando prefere segurar a cabeça de seu amado a sequer cuidar das jóias e maços de dinheiro que escorregam de sua valise. Interessante igualmente o modo como Green subverte os cacoetes do drama social tipicamente produzido pela Warner então, entrevistos em seu prólogo, para os seus mais instigantes e originais propósitos. E é claro, evidentemente, que o filme tampouco podia deixar de ser lido literalmente, de forma misógina, como o título nacional à época de seu lançamento mais que sugere. Porém, em nenhum momento se lança qualquer artifício moralista por parte da narração, no máximo se escutando comentários de outras mulheres, que mais poderiam ser definidos como de inveja. Uma cópia sem os poucos cortes que foram efetuados pela censura foi descoberta em 2004, levando a exibição com o seu corte original pela primeira vez em mais de setenta anos. Warner Bros. 71 minutos.



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